13 de novembro de 2003

Estórias da minha infância (6) - O meu corredor

O corredor da minha casa era enorme. Era enorme, comprido e dava a volta à casa toda, dava caminhos para todas as cinquenta e oito divisões.
Além de enorme tinha uma outra qualidade muito especial, transformava-se. Umas vezes era um lindo estádio de futebol onde jogava eu ou os meus bonecos. A relva era verdinha, as bancadas bem empinadas, cheias de gente que gritava o meu nome em surdina. Outros dias era um cenário da mais terrível batalha, da maior e mais espectacular guerra, outros pista de carros de corrida, outros ainda um mar ou uma piscina.
E tinha móveis e estantes, cheios de livros e revistas. Tinha recantos escuros e janelas claras. Tinha ainda o arquibanco, comprido, de pernas esguias e costas altas, por onde se podia delizar por cima, ou esconder-me em baixo. Era o esconderijo ideal de todos os dias.
Num desses recantos estava o telefone, lugar quase sagrado. Era o 818, lembro-me bem! levantava-se o auscultador e logo se ouvia uma voz:
- Que número deseja?
- Ligue-me ao 344, se faz favor...

Ou quando não se sabia bem:
- Queria ligar à D. Floripes, se faz favor...
- A D. Floripes da rua do Pirão?
- Não.. a senhora que é costureira e mora na rua do Cano..
- Ahh, sim.. só um minuto!

E lá vinha a ligação.. ou não vinha, às vezes!
Muitas vezes conhecia-se a telefonista e davam-se um, dois (ou dezoito) dedos de conversa. A mim, perguntava-me sempre se a minha mão sabia que eu estava ao telefone!
Agora, não sei porquê, tiraram de lá esse corredor. Está lá outro, parecido, mas é pequeno, acanhado, sem espaço e atafulhado de monos... e não se transforma!

PP:
Ao ler a dúvida da Lau, lembrei-me de um post do Avatares. Por isso o transcrevo:
"A propósito de um recente post, colocaram-me aqui uma questão acerca da profundidade da pergunta "estás apaixonad@?" A pertinência da perspicaz interpelação parte desta ideia: " Apaixonar vêm de paixão. É paixão a mesma coisa que amor?"
Não acho que sejam a mesma coisa, portanto, tomemos essa distinção clásssica como ponto de partida. De facto é verdade que apaixonar vem de paixão, mas eu penso que o lastro simbólico e afectivo de uma "pessoa apaixonada" não corresponde à ideia de paixão em sentido estrito. Contra qualquer possibilidade de pureza etimológica, a palavra "apaixonad@", no meu entender, encontra-se já permeada pela invasão do amor. É um étimo andrajoso, saiu de casa, contaminou-se nas suas apropriações. Enfim, apaixonou-se pela palavra "amor". A "paixão" está mais circunscrita, cálida, mas empedernida na ideia de arrebatamento fugaz.
Acredito, por isso, que a resposta positiva à pergunta "estás apaixonad@?" nos compromete para além da assunção de uma paixão."


E que mais? Nada por agora, vou "marear"!




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