2 de novembro de 2003

Estórias da minha infância (5) – Uma casa com três janelas

Além dos três sabores, a casa da minha avó tinha três janelas. Ou melhor, duas janelas e um miradouro.
Uma das janelas era a janela pequenina, a janela do cesto. Ficava na cozinha, dava para a rua da Cooperativa e era bastante pequena, tão pequena que mal cabia uma pessoa a espreitar para a rua. O cesto era o cesto das compras que, atado por um cordel, chegava lá baixo até à rua. Aliás, naquela casa quase tudo funcionava por meio de cordéis: o cesto das compras, o trinco da porta de baixo, os autoclismos, os estendais,… Quando alguém batia à porta ou chamava D. Maria, ia-se até á janela espreitavar quem era. Se era visita de entrar, puxava-se o cordel que abria a porta de baixo. Se era vendedor de qualquer coisa, verduras, pão, fruta, lá se deitava o cesto com o dinheiro que, logo depois, subia com o produto. Eu, está visto, adorava comandar o cesto, balancea-lo a meio caminho, ver as pêras quase a cair na rua, ouvir os gritos da minha avó…
A outra janela era na parte de trás da casa. Era grande e luminosa e dava para os telhados vermelhos que se estendiam até ao liceu, à polícia e depois daí para a imensa planície que se prolongava, prolongava, e subia, subia até se juntar ao céu, lá muito longe. Gostava de ficar ali que tempos, a imaginar já não me lembro o quê… e também a ver as ratazanas a passear lá em baixo, no quintal.
Ao miradouro era raro lá ir. Tinha que passar pelo quarto onde agonizava o meu bisavô, subir umas escadas ingremes de madeira que rangia e abrir, com dificuldade, uma porta empenada e ferrugenta. Lembro-me bem do barulho que se ouvia ao chegar, um vruuuuuuuuu prolongado… eram os pombos a levantar vôo. Depois, no miradouro, sentia-me no alto do mundo, um rei.
Um pequeno rei, rodeado de cagadelas de pombo!

PP: Estou de partida para Castela. Voltarei lá para o fim da semana, coberto de honra, glória e despojos! Portem-se como puderem...


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