14 de outubro de 2003

Era uma vez dias que corriam muito depressa. Eu olhava e ficava abismada. Já passaram. já passaram.
Os outros pareciam passaportes com folhas agitadas pelo vento. e a alma, essa, dizia assim: Onde estou? Aqui? Ali? Quem sou eu?
Era mesmo assim. Nada a prevenir-nos contra a pressa do tempo. Educavam-nos para suportar projectos, para criar ambições e para sermos gente. Mas...e o tempo?
Ninguém se preocupara em avisar do óbvio, da falta da importância dos deveres, das omissões e daquela corrida dos pézinhos que as coisas vestem. Já estou aqui e não estive ali e nunca poderei a voltar a estar. Já passou. Já foi. Não voltará a ser.
E eu olhava. Os olhos chupavam a vida e viam tudo. Algo porém se partira. A consciência do não interferir. Do deixar estar. Deixar correr. Ser devagarinho e diluir-se na correnteza. Tudo passava. As relações nasciam e morriam. Via o desencanto partir igual ao encanto. Tudo efémero. Tudo perene. Era cais. Era chegada. Mais frequentemente as perdas doiam.
E então mergulhava dentro de mim. Absurdamente presa numa teia de equilíbrio. Eu sabia que ela era frágil. E por isso a sustentava, mãos abertas. Palmas esticadas a sentir como o vento escaldava, que emaranhado determinava.
E aos recém chegados conseguia sorrir, sem estar verdadeiramente dentro de nada. Sem saber. Só a sentir como se deve. De forma total e absurda.
Sabia que era inteligente esta entrega. Absorvia o que vinha de dentro, o não dito. Sabia reagir adequadamente . Era eficiente e lógica pela força do próprio ilogismo.
Era o mar. Era o vento outra vez. Era o nada e o tudo. Era o só ser.
Ensinaram-me a evitar conflitos. E é isto que eu sou.
Uma esponja. Um olhar.
E no entanto sei que sou tudo. Algo. Uma força. Uma determinação feroz.
E nessa ferocidade me embalo e me recolho. Na contradição de ser eu me consolo. Ser eu é ainda ser nada.
E sou. Estende-me a mão e verás que não estou. Que aquela que estava aqui já partiu. Aqui está a outra. Esta ainda não sabe. Tem tudo para aprender mas vive. E vive-o.
Engole tudo e dos olhos nasce luz. E da serenidade de nada recear renasce. É ela.
Estico o corpo. E sei-me.
Luminosa. Nada faz sentido além do todo em que se torna.

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