19 de setembro de 2003

Estórias da minha infância (2) – A Augusta Ratana

Li uma vez numa crónica (se calhar da Inês) que nesses tempos existiam os pobres oficiais, que eram como que da casa (das burguesas), de quem se tomava conta (quase por obrigação).
É verdade… uma das coisa de que me lembro mais pequeno era da “pobrezinha oficial” da nossa casa, a Augusta Ratana. Augusta, claro, era o seu nome próprio e Ratana devia vir do seu aspecto: era baixa, muito baixinha, meio curvada, sempre de preto vestida, lenço apertado na cabeça à moda antiga, de onde saltavam uns olhos salientes, um nariz afilado e uma boca de dentes desalinhados. Todo o vulto sugeria uma ratazana…
Tinha dia fixo, sei lá… às quartas-feiras. E aparecia lá pela hora de almoço com um saco de palhinha enorme, cheio de outros sacos, estes de plástico, por sua vez cheios de coisas que eu imaginava inimagináveis. Aparecia e dizia “ Senhora… não tem qualquer coisinha aqui para a Augusta Ratana?”. E havia sempre qualquer coisa. Dinheiro não, que parecia mal e era coisa que corrompia e podia ser para a bebida… dava-se comida (restos…), roupa (velha…) e qualquer outro traste ao qual se achava já pouco préstimo. Como já tinha confiança com a minha mãe, que conhecia de criança, ela própria sugeria coisas que lhe pareciam boas para levar!
Eu, confesso, tinha um medo terrível dela, daquele cesto enorme cheio de mistérios lá dentro. Ela queria dar-me beijos e eu fugia, se insistia eu chorava. Afinal sempre deve existir um pequeno trauma… se calhar diziam-me “ Se não comes a sopa vem a Augusta Ratana e leva-te no cesto!”.
Com o mudar dos tempos, com o vinte e cinco de Abril os pobres retiraram-se, ou melhor, deixou de haver pobres. Oficialmente! E era também um bocado reaccionário dar esmolas aos pobres.
De modo que a Augusta Ratana deixou de aparecer e eu nunca mais a vi. Sei que voltou mais tarde, muito mais tarde, já eu não estava lá e estudava em Lisboa. Um dia o cão louco dos meus pais, um Fox-Terrier chamado Tarik, atirou-se à pobre Augusta e ia-a matando… e aí é que nunca mais lá apareceu!

PP: Comecei a tirar a carta de Patrão Local. Está a começar o fim-de-semana: amanhã vou às Caldas, desta vez não de mota mas a uma reunião profissional. Olá T… cuidado com a Isabel (o furacão!!) e papa uma lagarta por mim!

PPP: Lembrei-me de uma coisa. Sempre fui coleccionado mistérios, os meus mistérios! Muitos fui resolvendo ao longo da vida mas outros ainda persistem. Um exemplo: descobri bastante cedo o que é que acontecia à luz do frigorífico quando se fechava a porta. Outro exemplo: porque é que os dias da semana se chamam assim em Portugal? Porque não seguimos a mesma raiz de todos os outros europeus? Quando aconteceu? Foi por uso popular ou por decreto real? E finalmente, porquê nós?

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