23 de junho de 2020
6 de junho de 2020
Diário da pandemia - 05.06.2020
HAI CAI DO SILÊNCIO
LONGO CAMINHO
SILÊNCIO A TEU LADO
CALADO E SÓ
HAI CAI DA DOR
TEMPO ESTRANHO
CORAÇÃO DOLORIDO
CHORO CONTIDO
HAI CAI DO ALÍVIO
POR HORA SOFRO
A NOITE SE DESENHA
E A DOR SE VAI
4 de maio de 2020
Caía a tarde feito um viaduto
Aldir Blanc - Foto: Reprodução redes sociais |
Aldir Blanc foi parceiro assíduo de outro grande da música brasileira, João Bosco, com quem compôs "Mestre sala dos Mares", "De frente pro crime", "Dois pra lá dois pra cá".
A segunda-feira fica mais triste. E esse 2020 vai ficando mais repleto de quartas-feiras de cinza.
Aldir e João Bosco Foto: Fabio Motta |
3 de maio de 2020
Diário de Pandemia - Deus é que sabe
Que dia é hoje?
A pergunta tornou-se usual, frequente, persistente, insistente, nesses dias de pandemia. É como se tivéssemos perdido a noção do tempo. E acho mesmo que perdemos. Em tempo de pandemia, vamos descobrindo como é viver o comedimento. Sobreviver com o pouco, reconhecer e respeitar os limites.
No caso do tempo, tenho a sensação de que abrimos mão, sem querer, do calendário. Tornou-se obsoleto. Ou, adotamos por descuido, quem sabe, necessidade, uma versão mais simplificada. Meu tempo agora, por exemplo, cabe muito bem em três estágios: um ontem, um hoje e um amanhã. Agradeço e dispenso o excesso. Me encaixo ao resumo. Um tempo desmedido, sob medida.
Está mais curta a respiração (mais anchos só mesmo os suspiros). Estão mais curtos os passos. Os gestos, menos efusivos do que foram a vida inteira. Acabrunhamos. Nos reservamos a distância medida. Nos abraçamos com olhares. Nossos olhos por trás das máscaras resguardam sorrisos e choros. Por vezes, entristecemos; por vezes, emocionamos.
Volta e meia me assalta a pergunta: Que dia é hoje? E meu pensamento voa.
Podia ser um dia qualquer. Com o sol brilhando lá fora. Com pássaros invadindo a manhã. Com as ruas cheias. Enxames de gentes e carros. Alguém tomando decisões. A vida virando do avesso. Um dia com flores no jardim, água corrente, balão solto no ar, velas ao vento e bicicletas na ladeira. Um dia qualquer. Um domingo qualquer.
Sem resposta imediata, abro a caixa de mensagens. Brilha um sinal. Tem nova. Roberto Além Rojo, meu compadre, cineasta boliviano, que foi pego de surpresa pela pandemia e está retido temporariamente no coração da África, me manda poesia em forma de imagem.
Mal sabe ele, com uma possibilidade real de resposta à minha pergunta: que dia é hoje?
Na imagem que recebo, homens expostos ao mar azul do Pacífico, ocupam um barco onde se lê a resposta que peço, quase em oração: "Deus é que sabe".
Foto: Roberto Além Rojo |
28 de março de 2020
Diário de Quarentena - O Brasil sob o vírus
Foto: Patrícia Leite |
Hoje, pela primeira vez em sete dias, vesti luvas e máscara e saí de casa para abastecer a dispensa e comprar remédios.
Quando essa história começou, sete dias atrás, eu e Pat, minha companheira de vida, fizemos um estoque compatível com o tamanho do meu apartamento. Sete dias de alimento e tranqüilidade. Saio, portanto, por absoluta necessidade.
Lá fora, encontro um país mudado. A revelia de quem queira pensar o contrário. Não, o que estamos vivendo não é uma coisinha pequena. Não é passageiro. Vai impor que se repense esse jeito veloz de desejar as coisas, de querer sempre mais.
Quem poderia imaginar que, um mês atrás, entrar em um supermercado ou uma farmácia usando luvas e máscara não fosse despertar estranheza? Ainda mais, neste país tropical - até aqui - abençoado por Deus? Mais do que isso: Quem imaginaria encontrar outras pessoas fazendo o mesmo e também achar absolutamente normal?
Há uma disciplina tácita que nos mantém, a maioria dos brasileiros conscientes, a uma distância protocolar e segura de dois metros, uns dos outros. Na fila do pão, à espera do atendimento no açougue, na fila do caixa, em qualquer lugar.
Ainda não há desespero em busca de produtos. Mas as máscaras já não são mais encontradas em farmácias. Nunca foram muitas. Agora, são raridade. Antes da necessidade de usá-las no dia-a-dia, nunca me passou pela cabeça comprar máscaras hospitalares. Álcool também é produto mais difícil de encontrar. No mercado em que fui, não havia papel toalha. Sabe-se lá, por quê?
O que se sabe é que todos estão mais atentos à higienização. O que é um bom sinal quando se luta contra um inimigo invisível, como esse tal coronavírus. Na porta da padaria, um funcionário segura um aspersor com álcool, à disposição de todos que queiram higienizar as mãos, ao chegar ou ao sair do estabelecimento.
No mercado de verduras e legumes, todos os caixas estão protegidos por uma lâmina de material acrílico, de tal forma que o ar que respiramos não seja trocado entre nós (clientes e funcionários).
Mas há uma mudança que é impossível não sentir: tudo está mais caro. Seja pela escassez dos produtos, seja pelo desabastecimento, pela dificuldade de produção... ou, mesmo, pelo oportunismo de alguns. A vida está mais cara em tempos de corona.
Volto pra casa com menos dinheiro, mas abastecido. Antes de entrar no apartamento, sigo os conselhos que médicos e especialistas sugerem: retiro os chinelos e as luvas. Estas, vão direto para o lixo. Os chinelos, para o banheiro onde serão lavados. A roupa segue para a lavagem também. Por fim, um banho se encarrega de me deixar limpo, livre de qualquer vestígio de impureza externa e pronto para seguir a rotina de casa em maior segurança.
É difícil conter a intranquilidade nos olhos, toda vez que eles param na TV, ou no computador. O medo está entre nós. E vem em ondas com as notícias. O desafio é separar o que é falso e o que é verdade. São os novos tempos.
Quase no meio da tarde, recebo uma mensagem da minha professora Elvira Lobato. A mestra que me batizou de Maranhão Viegas, desde o primeiro dia de faculdade, na UNISINOS. Já lá se vão 38 anos. Nunca nos perdemos de vista e é sempre um prazer receber um sinal enviado por ela.
Hoje, despretensiosamente, me mandou um conjunto de imagens que mostrava monumentos públicos, de várias partes do mundo, protegidos com máscaras nos rostos. Como se fossem, eles mesmos, possíveis vítimas desse novo tempo. Refletiam uma inteligente forma de alertar: o mundo está sob ataque. E o uso correto de uma máscara pode salvar muitas vidas.
Pronto. Estava ali a inspiração que eu precisava para oferecer ao Repórter Brasil, telejornal da TV Brasil, do qual estou Editor-chefe, uma crônica de sexta. Ela nasceu. E está logo aí embaixo. Assim, encerro a primeira semana de isolamento. Vida que segue.
22 de março de 2020
Sobre sonhos e pesadelos
Visto daqui o mundo parece ter diminuído. À medida de uma gota. Perigosa gota. Visto daqui meus olhos enxergam um susto, um surto, um monstro. Como naqueles pesadelos de criança. Como nas noites de vento frio e falta de cobertor.
Naqueles tempos, a monstruosidade assustava em sonho. E acabava no exato momento de acordar. Um segundo antes de o pior acontecer. Puf! A realidade vencia o medo. Ficava o espanto, que a gente dava conta de aturar. E com o passar do dia, o espanto ia ficando pequenininho, pequenininho, até sumir. À noite, na nova noite, não havia monstro, não havia pesadelo, o sono voltava ao normal.
No hoje de agora, o sono pesa, custa a chegar. Dormindo não se descansa, acordado nos falta a paz. Nossos monstros de agora são tão reais quanto invisíveis. Dormir e acordar já não serve para espantar o que nos assombra o tempo todo. Monstro voraz que nos alcança em todo lugar.
Está em nós, entretanto, alcançar o que ele não alcança. Tolerância. Aquilo que perdemos há algum tempo. Paciência, que ficou esquecida, sem valor agregado já faz hora. Leveza, que nos pesa de tão pesados.
O que o mundo uniu em velocidade instantânea, o que levou tanto tempo pra ser alcançado, nesse começo de século se perdeu como em sonho assombrado de criança, que não consegue se ver livre dos monstros, mesmo quando acorda.
O que antes parecia unido e forte, for perdendo vigor, valor, valia. O ser humano virou bites. Mais zeros do que uns. Numa batida imperfeita e veloz, a imperfeição tomou conta do espaço sem dar permissão a desejos de sanidade. Insanos, nos tornamos estranhos. Monstros de nós mesmo. Nem dormimos , nem acordamos. Monstruamos.
E agora, que a vida é posta em cheque, resta reconhecer o labirinto que construímos e perceber que não há saída à vista, se seguirmos sós, se insistirmos na solidão das nossas verdades absolutas, brutos, arrogantes, ignorantes.
Achar o rumo, encontrar a saída, acordar do pesadelo adulto em que nos metemos exigirá humildade. Despidos dessa volúpia fugaz que nos envolve, a cada um e a todos, é capaz que se encontre uma nesga de luz.
Antes, porém, haverá dor. Uma dor que não somos capazes de medir, a não ser quando nos alcança bem perto do peito, no fundo da alma. O mergulho que nos espera, dolorido e sem norte, é também o que nos levará a uma nova consciência.
Quem sabe, uma descoberta da urgência infalível – corpo que pede espírito. Alma que transcende ao tempo. Matéria em fazimento orgânico de um nascimento novo, aprendendo a ser humano. De novo.
9 de janeiro de 2020
O sertão do Brasil em forma de poesia
Quando ele nasceu, seu pai achou por bem lhe atribuir nome de apóstolo e de descobridor. João Cabral. Um menino predestinado? Talvez. Talvez, venha dai a poesia intrínseca, capaz de transformar a pobreza das gentes em riqueza essencial para a alma.
O menino com nome de apóstolo e de descobridor honrou em vida suas duas joias de origem. Apostolou poesia sertaneja. Universalizou a dignidade humana com traços fiéis do Brasil mais profundo. Descobriu que podia ser muitos, sendo um só. E traduziu em seus versos o olhar que faltava para preencher de vigor o que o mundo só enxergava pela janela da tristeza e da dor.
Há cem anos nascia João Cabral de Melo Neto. Poeta brasileiro que desenhou, como poucos, o sertão em suas linhas tortas e certeiras.
Vinícius de Moraes (esquerda) e João Cabral, em Paris, 1964.
Foto de Pedro de Moraes para o livro "100 anos de poesia".
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