29 de outubro de 2018

Manual de sobrevivência


Há anos, carrego comigo um disco do Egberto Gismonti. Desde quando eu não fazia a menor ideia  da profundidade da música dele. Pra ser sincero, a primeira música de Egberto que me fisgou a audição foi "Palhaço".

Ainda me lembro da emoção que senti à medida que a música invadia meus ouvidos. Parecia que que um bando de crianças iria saltar da vitrola, seguido por palhaços, leões, bailarinas, mágicos e trapezistas. Um circo inteiro brotando do vinil enquanto a agulha cingia o acetato.

A paixão foi imediata. Tanto que o primeiro filme que dirigi na minha vida, durante os tempos da UNISINOS, em São Leopoldo, ainda em Super 8, chamava-se "Qualquer coisa a ver com o Paraíso". O nome fazia uma referência à música de outros dos meus ídolos musicais, Milton Nascimento e Flávio Venturini.

O filme foi rodado entre a meia-noite e as seis da manhã, na madrugada de um domingo pra segunda, na Voluntários da Pátria, coração de Porto Alegre. Era um libelo à liberdade. Uma fantasia estudantil. E a trilha sonora era a música do Egberto Gismonti. Espero um dia poder recuperar uma cópia desse filme nos arquivos do Curso de Comunicação da universidade.

A partir de então, tudo o que encontrei do Egberto, e que meu curto dinheiro permitiu comprar, comprei. Entre os discos que compõem a herança musical da minha vida há um chamado "Música de Sobrevivência". Justamente o que está tocando, neste exato momento, em minha vitrola.
Não é à toa. Aliás, nada em minha vida é à toa.
Hoje, a música de sobrevivência de Egberto Gismonti, que eu carreguei uma vida toda sem saber porquê, adquiriu sentido.



Alterando, com a licença poética que me é permitida, a frase que se escreveu um dia na bandeira de Minas Gerais, "Liberdade, ainda que à tardinha!". Música de Sobrevivência. Música para sobreviver. Palhaço.




28 de outubro de 2018

I

Imite as grandes estrelas! Em todos os actos da sua vida use o telefone.Revista Cinéfilo 1937

10 de outubro de 2018

8 de outubro de 2018

A utopia me move



Corro com o sol a pino.
Porque esse dia foi de amargar.

Sigo correndo, 
não me esperem parado.
Muito menos, calado.

A poesia será, 
enquanto eu existir,
a minha melhor arma.

A utopia me move.

6 de outubro de 2018

Tempos de glória, tempos de fome

Cena do filme "A idade do Fogo". 
A história sempre se moveu em torno de uma mesa – ou de algo que remetesse a ela. Desde que o primeiro humanoide sentiu fome. Desde sempre, pois. Em Brasília, não é diferente. À mesa, rica ou pobre, alimentam-se os visionários, os abastados, os poetas, os desvalidos.

Há pouco, abri o écran, na volta do almoço. Plaft! Surge na tela a notícia. “Justiça determina o despejo imediato do Piantella.” O Piantella foi, durante um bom tempo, o restaurante que matava a fome e dava status aos poderosos do Planalto Central. Foi como um dardo na minha memória gustativa. Não que eu o frequentasse ou que ele fizesse parte dos meus hábitos. Não. Aliás, estive lá umas poucas vezes, na modesta condição de convidado. 

Mas a notícia doeu na minha memória. Guardadas as proporções, foi como se soubesse do despejo da Pastelaria Viçosa, da Rodoviária do Plano. Ou, um pouco mais intelectual, se aproximou à dor que senti quando o Mercado Municipal (sim, Brasília teve um Mercado Municipal) foi fechado. Neste caso, por conta da morte do seu criador, Jorjão. 

Priscas eras: Ulysses rodeado de políticos de diferentes naipes, à mesma mesa.
Matando a fome no Piantella e deixando o ódio de lado. 
Sinal dos tempos. No Piantella as oposições sentavam-se à mesa e decidiam muitas das questões capitais da Capital do Brasil. Ulysses sorveu alguns bons goles de poire, sua aguardente preferida, extraída da pêra. Eram tempos outros. Temperados com uma política mais delicada do que a que se pratica hoje. Menos embrutecida, menos à flor da pele. Menos odiosa.

a aguardente de pêra.
Sinal dos tempos. O despejo do Piantella acontece justo nesses dias sombrios, véspera de eleição. Uma eleição em que nos servem um cardápio vencido, comida podre, indigesta. Um soco no estômago do qual, qualquer que seja o resultado, iremos à lona. E a história segue sendo resolvida em torno de uma mesa. 

PS:. Algumas informações importantes para tornar o texto mais compreensível aos leitores da Pátria avó. 

O Piantella foi um restaurante que marcou época em Brasília. Nos intervalos das sessões no Congresso Nacional, durante muitos anos, entre as décadas de 80 e 90, era lá que alguns dos principais políticos brasileiros matavam a fome. E aproveitavam estes momentos para resolver questões que nem sempre conseguiam resolver no plenário. Ulysses Guimarães, o "Senhor Constituinte", sobre quem já falei aqui neste espaço, era assíduo frequentador. Tinha mesa cativa. 

A atual crise brasileira alcança  a todos (exceto, os muito ricos - estes nunca são alcançados por nada). E ver fechar locais de grande significância no cotidiano da cidade tem sido algo comum. 

Por fim, a eleição presidencial brasileira será definida em dois turnos. O primeiro deles acontece no próximo domingo. Dois candidatos lideram a corrida eleitoral. Um deles foi escolhido pelo ex-presidente Lula, que está preso, acusado de corrupção. O outro, um ex-capitão do exército, machista, preconceituoso, que sofreu um atentado a faca em Uberlândia, MG e faz campanha pela internet para evitar os embates reais. O vice dele, um general da reserva, já disse que, se for preciso, fará uma nova constituição sem a participação do Congresso e do povo. Só com "notáveis". O capitão lidera as intenções de voto. Cumulus Nimbus se formam no horizonte da primavera brasileira. O Brasil está dividido pelo ódio. O verão se faz cada dia mais distante.