31 de outubro de 2013
29 de outubro de 2013
Ó vizinha, dá-me salsa? (em três andamentos para abreviar)
1 (Allegro) - Sem família próxima, muda-se para uma casa das proximidades. Fecha-se numa oficina, a criar peças fantásticas. Começam, pela vizinhança, a estranhar a ausência prolongada. Batem-lhe à porta, aparece debilitado, febril, embrulhado num cobertor. Desdobram-se em cuidados de canja quente, de bolos saídos do forno, de fruta colhida no quintal. Dispõem-se ainda a acompanhar a uma ida ao médico. Volta a desenhada rotina, pois há que perceber que há ocasiões para se bater à porta.
2 (Largo)- Conhecimento de longa viagem de férias, pessoa afável e de interessante conversa. Vive num anónimo 7.º andar com letra (o prédio não se fica por ‘esquerdo’ e ‘direito’). «Não conheço ninguém por aqui, já cá moro há uns 5 anos»- confidencia num jantar oferecido aos conhecimentos de verão. Já há muito que por ali não vive, mas as coisas não terão mudado muito, ao longo dos tempos.
3 (Presto)- Prédio de vinte apartamentos, anterior morada a anteceder a fuga para o campo. Quatro horas da madrugada, tocam, com persistência, à campainha .Despertar súbito, pulsação descompassada «que desgraça anuncia o alarido?». Num repente, receia-se o pior. Voz desconhecida, pelo intercomunicador «é para abrir a porta, os nossos primos não têm como abrir a porta exterior, há uma avaria no trinco do apartamento». No dia seguinte, tentando evitar conflitos, bato à porta, a horas aceitáveis, voltando à situação inesperada, que não desejo ver repetida. À pessoal interpelação de as 4h da manhã não serem um momento conveniente, ouve-se, como num filme de Almodovar «não eram 4h, ainda faltavam quinze minutos!». Vizinhos: solidariedade, indiferença, estranheza […](quem não tiver histórias com vizinhos, que levante o braço)
A selva de cada um
O sol nasce sobre a selva, no Acre. |
No domingo, estava lendo a crônica que Affonso Romano de Sant’Anna escreve sempre, no Correio Braziliense. Dele, guardo um carinho distante e uma inveja respeitosa. Ele não me conhece. Sou mais um dos seus milhares de leitores. Mas admiro imensamente o seu texto. É um dos melhores cronistas que temos no Brasil desses tempos de agora.
Reprodução da crônica de Affonso, publicada no Correio Braziliense. |
No texto de domingo, ele falava de uma viagem de avião que fez ao Acre. Das pessoas que viu durante a viagem e, bom cronista que é, foi entrelaçando uma história com a outra, dando um sentido comum a todos os personagens que lhe vieram à mente: De uma forma ou de outra, estavam todos ligados à selva amazônica. Inclusive ele. Inclusive eu, que o lia à distância.
Lembrei do Acre que conheço bem de perto. Já coordenei vários trabalho de comunicação por lá, em diferentes tempos. E guardo bem viva na lembrança a minha selva particular.
Vista do alto, a Amazônia assusta e atrai ao mesmo tempo. Impossível não temer, não achar-se minúsculo, diante de tanto verde. Lá de baixo, os sotaques, os sabores, os ritmos e os jeitos de pensar e agir daquela gente acreana me remetem à minha mais remota memória nordestina.
Seringueiro |
O Acre é um pedaço da Amazônia, que um dia já foi Bolívia. E que foi preenchido em grande parte por nordestinos do Ceará, do Piauí, do Maranhão... Os primórdios dos anos 40, do Século passado, viram nascer os primeiros contingentes de Soldados da Borracha. Uma gente desbravadora, convocada para ocupar os seringais e produzir borracha, produto de grande importância que tornava-se escasso com o avanço da Segunda Guerra Mundial.
Aquele lugar reúne histórias e personagens que habitam um Brasil distante, ainda hoje, esquecido. Do império de Galvez, aos rituais indígenas do yahuasca, o texto de Affonso Romano de Sant’Anna me transportou no tempo e me lançou à selva.
Boto |
Por um instante, pensei no quanto me senti longe, naqueles dias de Acre. Ao mesmo tempo, o quanto me reconheci e me encontrei comigo mesmo, internamente. Um fim de tarde na Boca do Moa – encontro entre os rios Juruá e Moa – é inesquecível. Pela festa inusitada de dezenas de botos e pelo pôr-do-sol.
No ano passado, às vésperas de fazer 50 anos, me vi desafiado a cruzar 700 KM de selva ou ficar por lá, e começar os cinquenta sozinho. Arrisquei. A aventura está descrita em um curto texto, aqui. Tendo tempo e interesse, confira.
No domingo, revisitei minha selva interior pelas linhas de Affonso Romano. E cada vez que faço isso volto com o olhar rejuvenescido. Como um Brasil novo, ainda por ser descoberto.
Texto escrito originalmente para a coluna "Olhar Poético", que assino semanalmente, no Blog Hoje Vou Assim, da Cris Guerra.
28 de outubro de 2013
27 de outubro de 2013
As Centenárias
«Um Beckett sertanejo
que traz a inexorabilidade de nosso fim, mas com diversão e picardia» (Newton
Moreno)
Zaninha e Socorro são duas
carpideiras centenárias do interior do nordeste brasileiro que entoam incelências
(cânticos em virtude dos falecidos) e choram a morte dos outros, ajudando-os a
“passar para o outro lado”.
Nestas suas viagens pelo sertão brasileiro vão
criando uma ligação única, que as converte numa dupla muito especial. No
entanto, e paradoxalmente, estas duas “antigas” mulheres temem a morte e vão
fazer tudo o que estiver ao seu alcance para dela escapar.
“As centenárias”, espetáculo com
encenação de Natália Luiza e interpretação de Catarina Guerreiro, Flávia Gusmão
e Sílvia Filipe poderá ser visto até dia 10 de Novembro no
Teatro Meridional.
O espaço onde se desenvolve a
ação é quase sonhado, onírico, meio sombrio e incerto; mas que ao mesmo tempo,
com o desenrolar da história se vai transformando em “todos os lugares”.
"As Centenárias"-Fotografia Nuno Figueira |
De acordo com Natália Luiza, o
mote para a escolha desta peça de Newton Moreno foi, não só a oportunidade de
trazer a palco um português cuja musicalidade homenageia a nossa língua e nos
leva a outros lugares; mas também a necessidade de contar uma história que nos
ponha em confronto com a morte, condição a que todos igualmente estamos
sujeitos.
O sotaque do nordeste dá uma
dimensão enternecedora, mas também divertida às personagens, já que para
Natália Luiza: “fazê-lo de outro modo seria escrever outro texto”.
As carpideiras personificam-nos,
simbolizam a nossa dificuldade de enfrentar a condição finita que nos assiste:
ainda que o “nada” atemorize é também ele que nos define.
Estas personagens levam à reflexão inevitável
sobre a necessidade do choro e do luto, num mundo onde se reprimem as emoções e
tudo acontece a uma velocidade desarmante.
"As Centenárias- imagem de Nuno Figueira" |
Deparamo-nos com uma história
fechada, que contraria de forma assumida as narrativas fragmentadas e de livre
interpretação.
Este espetáculo compromete-se, estrutura-nos,
dá-nos referências e princípios muito claros, sem por isso nos tirar a
individualidade.
De forma subtil vamo-nos
questionando sobre a efemeridade da vida, o luto, o silêncio e a forma como a
amizade – personificada através de Zaninha e Socorro – pode ter um papel
estruturante e fazer a diferença enquanto nos vamos escapando da morte.
Almanaque
O Miguel mostra a revista Almanaque que esteve a recuperar. Para completarmos a colecção só nos falta uma. Falta instalá-las na estante, em lugar de honra.
Short cuts - Amizade
O menino e seu cão
O menino e seu cão. O cão e seu menino. |
Fazia um calor senegalês, na comunidade do Areal, nos arredores de Brasília. Sol escaldante, enquanto a população prestigiava a entrega de um parque novo. Meninos e meninas jogando bola - nessa fase da vida, para eles, pouco importa a intensidade do sol - dispunham da felicidade de ser criança, sem importar-se com outra coisa qualquer.
Percebo que a amizade é nova e verdadeira. De vez em quando, o cão escolhe outro lugar à sombra, entre as pernas das pessoas que estão ali. O menino o acompanha. Senta-se ao lado. Olha nos olhos do cão com um olhar de quem não abre mão da amizade.
Os livros de T
O recado de T |
Os livros de Teresa (no alto, à esquerda), para atravessarem o Oceano, contaram com o empenho de Ivone (no alto, à direita) e Celso (embaixo, à esquerda). Hoje, chegaram às mãos de meus pais. |
Livros da T. |
O cansaço só não vence a minha alegria. Aviso o meu pai que seu presente, finalmente, chegou. E dou o dia por findo.
Amizade de domingo
Hoje, domingo, céu aberto e azul. Pego o carro e vou ao encontro de meus pais. Moram aqui perto, no mesmo condomínio. Encontro Isabel, minha mãe, feliz como criança. Cadê meu pai? Está no quintal.
Isabel e suas jaboticabas. Alegria de criança. |
A florada do jardim de Isabel. |
Os Viegas em sua praça preferida. |
Alegria de domingo. |
A biblioteca de meu pai
Meu pai, seus melhores amigos e uma dose de Napoleon. |
Plantas amigas
Orquídeas do meu jardim. |
Elis e a canção dos amigos
Haverá forma melhor de concluir esse post? Elis Regina - Canção da América. Porque o domingo e as amizades merecem.
24 de outubro de 2013
O jarro
Comprei o lavatório, faltava o jarro. Encontrei-o hoje, na rua atrás de um caixote de lixo.. Esvaziei-o e peguei nele pela asa. Agora o conjunto está quase completo.
O acaso do dia
Apesar dessa convulsão temporal interna, a vida exige equilíbrio, sob pena de se perdê-la. Então, recorro à belezura externa do dia para alcançar um mínimo possível de equilíbrio interno. O que dê pro gasto. O que me leve até a virada do próximo dia.
Maria, a caçadora. |
Percebo que não é um pássaro comum. É um beija-flor. E dos grandes. E percebo mais, ele não está morto. Esqueço o resto. Esqueço a tempestade interna. Clareio o dia diante do acaso. Diante da possibilidade de entender o que aconteceu a aquele pássaro e de salvar-lhe a vida.
Ele já teve sorte demais. primeiro por estar vivo. Depois, por ter ficado um bom tempo na calçada de casa, sem que a Maria percebesse. Carrego-o até o bebedouro. Vejo aquela delicada língua se mover, num vai-e-vem típico dessas aves. Ele abre os olhos. Bebe mais água. Volto pro jardim pensando em colocá-lo protegido, numa planta com flores vermelhas que eles adoram.
Hora do descanso. |
Fica me olhando enquanto eu também o encaro. Eu lhe salvei a vida. E ele sem querer me salvou o dia.
23 de outubro de 2013
Presépios
É altura de começa a pensar no presépio, eu e as pequenitas gostamos muito dessa actividade. Este ano talvez a A já entenda a diferença entre barro e borracha, talvez...Entretanto espreito para dentro do armário e vi a minha bonecada e santinhos todos ali à espera. E penso que saberão que o meu presépio reúne sempre muitos elementos diversos e pouco consensuais. No escuro do livreiro, aguardam. Mais umas semanas e estarão à luz...
22 de outubro de 2013
O lavatório
Olhei para ele, na rua em frente à loja em São Bento. Apaixonei-me logo e namorei-o quase um mês. Hoje decidi-me e chegou aqui a casa há pouco. Ei-lo num cenário de livros, que é o que acontece nesta casa a tudo...Mas irá para o quintal, pois claro.
20 de outubro de 2013
Um quiosque exemplar, Clara Clara
É uma pequena maravilha, escondido no Jardim de Santa Clara. Uma vista sobre o rio que nos inunda, uns croissants leves e um serviço agradável e atento.O jornal do dia está disponível e resta-nos descansar após o percurso íngreme da feira da Ladra, a beber um bom café e espreitar o saco das compras. Abre todos os dias:) Ainda há pois pequenos paraísos em Lisboa e que viva o Clara Clara!
19 de outubro de 2013
Manuel António Pina : «Chamo-lhes crónicas porque não sei o nome disto»
Desde o início do verão a saborear
Crónica, Saudade da Literatura, textos de imprensa do presente século, da
autoria de Manuel António Pina, editados há 5 meses pela Assírio e Alvim.
Saborear será, decerto, o verbo acertado para os pedaços de prosa legados pelo
poeta-cronista , consciente opção no intuito de o sentir mais presente em cada
dia que, com maior ou menor vagar, se sucede. Palavras que surpreendem pela
atualidade lúcida: um sentido de humor único, mesmo na abordagem a temas muito
sérios (humor, sobretudo em tempos mais árduos, equivale a inteligência). Atrai a leveza
da escrita. Do conjunto de textos, destaca-se a ênfase dada aos tempos de
crise, a denúncia da (in)cultura de muitas figuras com responsabilidades
nacionais, as considerações sobre o cinema com maiúscula (arte e não mero
fogo de artifício), as ideias sobre a beleza (ou sua ausência), sobre o sentimento de
felicidade, passando ainda pela
música, pela BD, por poetas próximos ou mais distantes, o apontar do dedo a
preconceitos, a denúncia a ideias feitas, a formatar uma realidade chata. Pina
situa-se nos antípodas do chavão, do lugar-comum. Fica a gratidão por quem nos
torna mais interessante a existência.
A preparar uma recensão sobre este
conjunto de crónicas, ficam algumas linhas soltas quando, por coincidência, se
completa um ano da sua morte.
«Tintin e os outros […] chegaram à
minha vida na infância como o Cavaleiro Andante e, como na canção de Maria
Bethânia, instalaram-se para sempre feitos posseiros dentro do meu coração. Com
eles fui à Lua e viajei por todos os
mares do mundo, subi aos Himalaias e desci aos negros porões da alma humana […]
defendi os fracos e enfrentei opressores e ricaços sem escrúpulos […] convivi
com guerrilheiros, com tiranos, com comerciantes, com sábios, com iluminados…
Se algo de essencial aprendi […] das minhas aventuras com Tintin foi o desprezo
da infâmia e a “linha clara” da coragem e da justiça.» - Manuel António Pina,
JN, 24/5/2007
O "poetinha" é 100
Short cuts vinicianas
A falta que ele nos faz
Vinícius de Moraes |
O melhor amigo do homem
A companhia permanente do melhor amigo do homem, engarrafado. |
"Se é verdade que o cachorro é o melhor amigo do homem, o Whisky é o cachorro engarrafado".
Soneto da Fidelidade
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinícius de Moraes
Uma tarde em Itapoã
Meu encontro com o poeta |