8 de maio de 2011

As escolas são tristes, as casas são tristes, as ruas são tristes


Um texto maravilhoso e actual de André Brun: nobilite-se o riso!

"Uma gazeta da tarde, celebrando com os tropos devidos o aniversário da morte de Sacadura Cabral, concluía dizendo que os homens de acção como ele eram os únicos a sacudirem Portugal da apagada e vil tristeza em que vegeta de longa data.
A tristeza é sempre triste; mas, quando acresce que seja apagada e vil e nela se fale como um mal incurável, é caso digno de ponderação e estudo.
Somos um povo apagado e vilmente triste. Mas porquê? Embora a muitos pareça tolice, dir-vos-ei que tristeza e alegria são, principalmente questão de meio e de educação. Muita vez tenho pensado que o meu fundo de optimismo, a minha perpétua confiança na vida apesar de todas as desilusões que ela oferece, o meu bom humor, enfim, tudo isso devo
a ter nascido numa casa alegre. Meu pai trabalhava todo o dia cantarolando, minha mãe tinha a propósito de tudo ataques de riso infindáveis e eu cresci, formei o meu espírito numa atmosfera de boa disposição, que tratei cuidadosamente de conservar sempre em torno de mim.
Noventa e cinco por cento dos portugueses provém de pais que, não sabendo rir, detestam que as crianças riam alto e passam os dias a gemer diante delas sobre as pequenas e fúteis misérias da vida. As escolas são tristes, as casas são tristes, as ruas são tristes. Evidentemente neste meio o povo tem que ser duma tristeza apagada e vil.  Mas não se conforma com isso, creiam.  Haja em vista a fúria com que ele se precipita para os teatros onde o divertem e fazem rir quase á força.
E se nós reagíssemos metodicamente contra esse mal por tantos apregoado incurável? Comecemos por criar nas escolas cadeiras de alegria. Porque se há-de ensinar aos meninos álgebra e topografia e não se lhes há-de ensinar a procurar nos factos, nos sentimentos, nas circunstâncias da vida o lado menos pior? Porque não se há de proporcionar às crianças, a par da história e da aritmética, uma filosofia amena que os habilite ao riso?
Se eu fosse ditador proibia durante dez anos nos teatros, os dramas, melodramas e tragédias. Mandava apreender nas livrarias todas as obras lamechas e lacrimogéneas que nelas abundam. Por uma nova lei de imprensa forçava as gazetas a publicarem cada  dia pelo menos cinco colunas de boa laracha portuguesa.
A própria secção de necrologia havia de ser redigida o com o seu quê de patusco. Todo aquele que inventasse ou praticasse qualquer meio de aborrecer os outros, levaria chibatadas na praça pública.
Dir-me-ão se, com estes meios simplistas, eu tenho a pretensão de abolir o sofrimento, eterno como o mundo.
Evidentemente não. Os alegres sofrem como os tristes. Sofrem, porém, dum modo diverso e não se instalam na amargura. Mais facilmente lhe resistem e melhor encontram meios e motivos de consolação. Vêm mais claramente a pouca importância de certas mágoas e desprezam-nas.
E da Alegria nasce o Trabalho exercido, não como uma escravidão contra  a qual todas as revoltas parecem justas, mas como uma função natural e necessária ao equilíbrio físico e moral. Já que falámos em físico, vem-se fazendo há anos entre nós um grande esforço no sentido de o melhorar. Vulgarizaram-se os desportos. Gente nova faz a diligência por criar músculos. Porque se não há-de fazer um esforço similar para tornar saudável o espírito, principalmente pela Alegria?
Bem hajam, portanto, as raríssimas gazetas de Portugal onde o humorismo escrito tem acolhimento. Agradeçam-lho os leitores. É um passo dado, que precisa ser ajudado e completado por outros. Já é alguma coisa"
André Brun, O  Domingo Ilustrado, 1926

10 comentários:

  1. A tentar comentar este post sem sucesso... se por acaso não aparecer o comentário deixo-o mais tarde :o(

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  2. Tentativa nº 3 para comentar o texto do post:

    Retrato mais do que actual, continuamos genericamente assim. O bom humor não intrusivo parece muitas vezes agredir os nossos semelhantes. Evita-se a pergunta «como está/s?» por se receber como resposta um rol de doenças ou desgraças, coisa impensável noutras culturas não muito distantes...

    Fantástico texto, este de André Brun.

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  3. Eu ando apaixonada pelo André Brun:)

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  4. Mas que cara está a paixão, Teresa... Estive ontem na Feira, a Malta das Trinheiras foi andado e deixaram os Soldados Portugueses - caríssimos como nunca pensei que fossem. Fico a aguardar uma reedição. Bem posso esperar, eu sei. Um beijo

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  5. Puxa, safei-me! Sou dos 5% que cresci entre pais e irmãos com humor e piada solta. Desenvolvi o humor subtil e uso-o como arma de defesa contra semblantes mais trombudos.
    Não concordo que haja falta de alegria nos portugueses. Basta pensar na rapidez com que surgem piadas e anedotas aos factos vividos. Um exemplo que ouvi hoje:
    - Para nos parecermos com os gregos só nos falta matar o filosofo!
    O humor escrito tem tido várias fases, esta, a do André Brun, ainda encanta e apaixona, é subtil e inteligente

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  6. Texto mesmo muito interessante e actual, como de resto já disseram outros comentadores.
    No entanto não concordo com o MIguel Gil. O facto de se fazer piada (mais fácil ou menos fácil, negra ou menos negra, melhor ou pior) não quer dizer que se seja feliz.
    Eu acho que o povo português é um povo deprimido (se não chegar a ser depressivo) e deprimente (o exemplo da Teresa -sobre a resposta à pergunta como estás?- é fantástico!!) que por acaso consegue fazer boas piadas. Eu não acho que humor seja sinónimo de felicidade.
    Saudações ;)

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  7. Carlos, se o encontrar guardo-te. Isto é como em tudo na vida, há-de aparecer:)

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  8. E viva o humor, Miguelito:)

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  9. O humor não ajuda a fazer-nos felizes, mas obvia a infelicidade, como diz o Brun torna tudo "menos pior".
    Beijinho

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  10. Luísa, referia-me à alegria como foi contextualizada pelo André Brun.
    Gosto muito de ver um belo sorriso.

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